Cresceu no seio de uma família artística e foi um crocodilo a ensinar-lhe os básicos da fotografia. Cedo descobriu a paixão por eternizar momentos em imagem e aos poucos soube que era nos casamentos que se sentia realizada. Em 12 anos, já fotografou mais de 121 casamentos. Falamos de Adriana Morais que, em entrevista à Plano A, recorda alguns dos momentos da carreira como fotógrafa, confidencia algumas peripécias e fala de como tem vivido este período de pandemia, tanto pessoalmente como profissionalmente. Adriana Morais garante que não consegue fazer a “distinção entre a Adriana fotógrafa e a Adriana na vida pessoal”. Em três palavras, define-se como “sensível, amiga e sonhadora”. São adjectivos que lhe reconhecemos desde a primeira conversa e em cada fotografia da sua autoria.
Nos seus 22 discos externos, redescobriu os 121 casamentos que já fotografou. “Já é um número jeitoso”, diz-nos. Ainda assim, Adriana Morais diz recordar-se do rosto de cada um destes noivos. Tal como nós na Plano A, acredita que é um privilégio fazer parte de um dos dias mais felizes da vida de cada casal. “Nesses dias não sinto fome, frio nem cansaço”, conta Adriana e nós revemo-nos na afirmação. Foi um prazer conhecer melhor aquela que consideramos ser uma das referências da fotografia de casamento em Portugal e que, tal como nós, acredita não ser “preciso muito para ter um casamento cheio de significado e amor”. Conheçam vocês também, pelas palavras da própria, a fantástica Adriana Morais.
Plano A: Conta-nos como te começaste a interessar pela fotografia.
Adriana Morais: Acho que cresceu comigo. Lembro-me de ter a minha primeira câmera na Escola Primária (ainda a tenho cá em casa). Foi uma prenda de Natal dos meus pais e vinha com um livro em que a personagem principal era um crocodilo que explicava as regras básicas da fotografia. No secundário, fui para artes e depois formei-me em Belas-Artes, Arte e Multimédia – Fotografia. Ainda fiz mais tarde um curso profissional de fotografia no Instituto Português da Fotografia.
Sou uma sortuda porque, desde muito cedo, as artes fizeram parte da minha vida. A minha mãe é professora de História de Arte, o meu pai professor de Estética e Filosofia e o meu avô apresentava desenhos animados na televisão portuguesa, vindos de um mundo mais alternativo. Em criança viajávamos muito e visitávamos muitos museus. Tudo isso foi fundamental. Ajudou-me muito a compreender e a ganhar interesse pela fotografia.
Plano A: Como foste parar depois ao mundo dos casamentos?
Adriana Morais: Foi um pouco um acaso! Sempre fui uma pessoa super sensível e emotiva, que gostava de contar histórias através das fotografias. Mas não foi um amor à primeira vista. Fotografei o meu primeiro casamento em 2008, ainda na faculdade, como assistente de um fotógrafo à antiga. Aceitei o trabalho para conseguir pagar as minhas despesas extra. Depois do Instituto Português da Fotografia fiz um estágio em Moda e Publicidade e outro em Fotojornalismo. Sabia que a minha paixão era a fotografia, mas ainda não sabia exatamente qual seria a área. Acho que o "click" foi quando comecei a conhecer excelentes trabalhos de fotografia de casamento nacionais e pensei: “afinal dá para fazer coisas bem giras nesta área”. Comecei a fotografar casamentos de amigos e amigos de amigos e a coisa foi crescendo e tornando-se profissional. Entretanto, já passaram 12 anos e não consigo imaginar-me a fazer outra coisa! Sou muito feliz a fotografar casamentos. Nesses dias não sinto fome, frio nem cansaço.
Plano A: Fala-nos um bocadinho do primeiro casamento que fotografaste.
Adriana Morais: O primeiro casamento que fotografei sozinha, sem ser como assistente, foi o de uma colega da faculdade, chamada Raquel Viegas, que se casou com o Pedro Tochas (comediante e palhaço). Foi um casamento super diferente e em que recebi imenso amor. Salvo erro, foi em 2011 e a Raquel ia com um vestido midi vermelho e um bouquet feito pelo Tochas. Nunca mais voltei a fotografar um bouquet feito de balões! Foi um casamento muito simples, com poucos convidados, cheio de identidade e mesmo muito especial. Recordo-me que quando tive de dar pela primeira vez o meu orçamento, estava super nervosa ao telefone e acho que não queria cobrar nada ou um valor muito pequeno. A Raquel disse-me: “olha, o Pedro vai falar contigo." Fiquei uns 15 minutos ao telefone, com ele a explicar-me o valor do trabalho artístico e que tinha que me valorizar enquanto artista. Não podia ter tido primeiros clientes melhores!
Plano A: Que tipo de noivos te procura atualmente?
Adriana Morais: A grande maioria são estrangeiros e casais que vivem foram, mas que nasceram em Portugal ou um dos pais nasceu cá. Fotografo muitos casamentos intimistas, noivos ligados ao mundo das artes, elopements, casais aventureiros e, de ano para ano, tenho tido cada vez mais casais do mesmo sexo.
Plano A: Conta-nos sobre alguns casamentos que te marcaram ao longo da carreira.
Adriana Morais: Lembro-me de quase todos os noivos, da cara e nome! E eu até tenho má memória, mas como é um momento tão importante para mim, fica registado. Recebo muito carinho e amor dos meus casais, por isso todos acabam por ficar no meu coração.Os últimos acabam por ser sempre os meus favoritos, por essa memória estar mais fresca. No ano passado fiz um elopement de um casal americano e, no primeiro email, demos logo o click. Gostávamos das mesmas músicas, dos mesmos filmes e eles eram mesmo super queridos e confiavam a 100% no meu trabalho. Como nunca tinham vindo a Lisboa, deixaram-me decidir tudo. O que íamos fazer durante o casamento, onde íamos estar, onde ia ser a cerimónia e a que horas. A preparação foi em Alfama e fizemos um pequeno tour por Lisboa. Fomos beber uma ginjinha, comemos pasteis de Nata, tirámos fotografias ao pé de azulejos, ao pé do elétrico e fomos escolher o bouquet à florista mais bonita de Lisboa. No final do dia, apanhámos o barco para Cacilhas e fizemos a cerimónia entre o pôr do sol e o lusco-fusco, num dos pontões com a melhor vista para Lisboa. Foi um dia perfeito! Não é preciso muito para ter um casamento cheio de significado e amor, às vezes as pessoas esquecem-se disso. Hoje continuamos a falar imenso. Eles querem vir viver para Lisboa e, no mês passado, ia visitá-los a NYC, mas a Covid-19 obrigou-me a adiar essa viagem.Outro casamento de que nunca me vou esquecer foi em 2018, no Japão. Foi inacreditável e ainda hoje me parece um sonho. A mistura das culturas (a noiva era portuguesa e o noivo japonês) e a diferença brutal face a todos os outros casamentos que já tinha fotografado tornaram-no mágico! No dia a seguir ao casamento fiz uma fotografia que é a minha favorita: os noivos dentro de um dos lagos perto do Monte Fuji ao lusco-fusco. Cá fora, estavam 6ºC... Às vezes, os noivos têm de sofrer para terem a fotografia!
Plano A: Lembraste de algum insólito que te aconteceu numa sessão de casamento?
Adriana Morais: Há muitos! Durante casamentos já vi homens nus (tenho fotos!), um vestido de noiva que se rasgou logo na preparação, outro vestido que não servia e também um fecho que estava estragado. Um noivo que desmaiou, porque a flor de lapela o picou e fez um coração vermelho na camisa (ele não conseguia ver sangue), um noivo que não conseguiu ler os votos porque estava super emocionado. Já tive uma sessão de casamento onde apareceu um javali que ficou em várias fotografias com os noivos e num casamento entre dois homens em que esteve o dia todo a chover e, na altura da sessão, apareceu um arco-íris duplo que me deu a foto perfeita. Love wins! Também existem situações mais infelizes que nunca deviam acontecer, mas que qualquer mulher que fotografe casamentos sozinha já enfrentou, como o assédio de convidados na pista de dança.
Plano A: O que acreditas tornar tão especial o registo fotográfico de um casamento?
Adriana Morais: É o facto de ser um privilégio. És a pessoa responsável pela preservação da memória de um dos dias mais felizes da vida daquelas pessoas. Sinto-me muito grata por estar presente e de forma tão próxima num dia desses. Nos elopements, esse sentimento é ainda maior, porque sou a única pessoa com a oportunidade de estar presente e é o meu olhar que vai mostrar à família e aos amigos como foi esse dia.
Plano A: Que fotografias consideras essenciais para uma boa sessão de casamento?
Adriana Morais: Fotografias que mostrem a identidade dos noivos. Obviamente que ajudo casais mais tímidos a posar, mas é fundamental que dêem os miminhos ao jeito deles. Captar quem eles são é o mais importante e faz toda a diferença numa sessão de casamento. Isso é mais importante do que ter a fotografia perfeita. Se não acabo por não captar a verdadeira essência do casal e fico com fotografias todas iguais em todos os casamentos. Mas há sempre fotografias que sinto que são importantes fazer: um plano mais afastado dos noivos no ambiente, um plano de corpo inteiro e um retrato dos dois juntos e separados. Também gosto muito de fazer a "fotografia para a avozinha": um retrato dos dois noivos a olhar para a câmera. É uma imagem mais tradicional, mas que é importante não esquecer.
Plano A: Como tem sido este período de pandemia para ti profissionalmente?
Adriana Morais: Obviamente não vai ser o ano mais fácil de sempre. Será complicado para toda a gente que trabalha nesta área. Por outro lado, o facto de estarmos todos a sentir o mesmo, permite sentires-te mais apoiada. Estamos juntos na mesma tempestade. Tem sido um período de reflexão (pessoal e profissional). Tinha muitos projetos e ideias que estavam na gaveta e que agora já conseguem ver a luz. Alguns são projetos criativos outros são coisas mais chatas relacionadas com o site, blog, marketing, organização e assuntos administrativos, mas que são fundamentais para poupar tempo e para facilitar a minha vida de escritório e a comunicação com os casais. Também tenho descansado bem mais do que o normal. Sou workaholic e estava a precisar de fazer uma pausa. Obviamente que estou muito triste por não estar agora a fotografar casamentos como tinha previsto e por os meus noivos terem de mudar os seus planos, mas tento pensar de uma forma positiva.
Plano A: Fala-nos também um pouco da iniciativa 40-40-40 da qual fazes parte.
Adriana Morais: Foi um projeto que chegou numa altura que estava mesmo a precisar de pôr mãos à obra. Foi o meu amigo e colega Pedro Vilela que me convidou e fiquei logo super entusiasmada. Já tinha algumas ideias de projetos para desenvolver na quarentena, agarrei num deles e comecei logo a preparar tudo para fotografar. No dia em que fiz as fotografias, fiquei muito feliz. Estava tão entusiasmada que, naquelas horas, a Covid-19 desapareceu do meu mundo. É a magia da fotografia!
A ideia foi ser uma noiva em quarentena. Tenho imensas saudades de fotografar casamentos e estou com o coração apertado a pensar nos casais que tiverem de adiar o seu casamento. Por isso, decidi vestir-me de noiva e recriar as tarefas do meu dia-a-dia, enquadradas no isolamento em que estamos a viver. Na altura ainda estávamos em estado de emergência.
Plano A: E que conselho dás aos casais que tiveram de adiar o casamento para o próximo ano?
Adriana Morais: Celebrem o amor! Ninguém estava à espera de uma pandemia e sei que é uma situação seja difícil de gerir. É uma altura complicada para todos, mas vamos acreditar que não vai durar muito e que, em breve vamos estar todos juntos, a celebrar, a rir, a dançar e a abraçar-nos. Daqui a muitos anos, a pandemia vai ser uma história que contamos aos nossos filhos.Uma dica que me parece importante: selecionem três datas alternativas com a vossa wedding planner ou com a vossa quinta/hotel. Tentem ser flexíveis e pensem se não será preferível casar a um dia da semana ou a um domingo. A vossa quinta/hotel e todos os vossos fornecedores terão de certeza mais disponibilidade e isso pode ser importante devido à quantidade de remarcações que poderão ocorrer. Acredito que os vossos amigos e familiares quererão tanto celebrar e abraçar-vos que não se vão importar de o fazer a qualquer dia da semana.Porque estamos aqui a falar de celebrar o vosso amor, se decidirem alterar a data do casamento, sugiro que celebrem na mesma o vosso dia original. Mesmo em isolamento, façam planos para um dia romântico ou um dia à vossa imagem. Podem fazer um elopement (casamento a dois) e mais tarde fazem o casamento que tinham planeado. Também podem fazer um dia especial que começa com um pequeno almoço na cama, um banho juntos ou uma sessão de massagem. E que tal fazerem o corte do bolo e simularem a vossa primeira dança? Revejam fotografias vossas, organizem uma sessão fotográfica ao final do dia para mais tarde recordar e façam um jantar romântico (com ou sem luz das velas!). Dêem asas à vossa imaginação e pensem como seria um dia perfeito a dois!
Plano A: Por fim, quem são as tuas inspirações? Que fotógrafos admiras?
Adriana Morais: As minhas maiores referências vêm do cinema, da pintura e da fotografia, mas também me inspiro muito no mundo que me rodeia e nas viagens que faço.Curiosamente, entre as maiores inspirações fotográficas que tenho, o trabalho delas (só escolhi mulheres) não tem muita semelhança com o meu. Nan Goldin, Francesca Woodman, Annie Leibovitz, Sally Mann, Vivian Maier e Helena Almeida (é uma artista plástica, mas que usa a fotografia como meio). No campo da fotografia de casamento, vou só dizer um nome que é uma enorme inspiração: Branco Prata. Além de muito talentosos, o André e a Sofia são pessoas com um bom coração e sem medo de partilhar. Para mim isso é fundamental para quem trabalha na área dos casamentos. Para além do trabalho, é preciso ser sensível e ter o coração no sítio certo.
Texto: Inês Duarte de Freitas
Fotos: Adriana Morais photography